Tuesday, February 11, 2020

Subi ao cume da montanha e conheci-me


Subi ao cume da montanha e conheci-me, finalmente.
Finalmente gostei do que vi, e nem que tentasse era capaz de capturar tantos pequenos espíritos que de lá de cima gritaram serem felizes.
Tantas pequenas vozes que iam saindo de mim através das lágrimas.
Quanto ecoou este grito de liberdade.

Só sei que sou única quando me sinto várias.
Só me sinto una e completa quando canto mais de uma canção e vivo em mais do que um estado de espírito.
Chego a conclusão que nunca sou eu quando me impeço de divagar.

(...)

Tenho de ser múltiplas,
Impedir-me de controlar esse facto,
Aceitar que só assim atinjo a minha plenitude,
Talvez até passar a encara-lo como uma virtude.

Receber-me de braços abertos,
Surpreender-me com estados incertos,
Amar a inconstância, a incoerência,
Para verdadeiramente conhecer a inteligência.

Já resisti a esta entrega,
Já fui infeliz por me negar,
Quis esconder-me de mim própria até ficar cega,
Achei que seria melhor não pensar.

Por isso fugia do refúgio,
Fugia da terapia da caneta,
Na ilusão de me encaixar,
Na inconsciência de não me querer analisar.

Hoje aprecio a diversidade e o caos interior,
Sei reconhecer a profundeza de albergar várias personalidades,
Aprendi a dar o devido valor,
A saborear os sentimentos em metades.

Um pouco de razão com um twist de loucura, de pintura.

Vamos assobiar, ouvir música
Dançar e cheirar as flores e o campo
Saborear a poesia e embriagarmo-nos nas palavras,
Sonhar acordados e sorrir por nada,

Vamos rebolar na relva
Dar as mãos no passeio
Ouvir histórias de quem não conhecemos
Ler o que nos aqueça a alma

Agito e abano-me,
Se estou viva, tenho de estar desperta,
Tenho de ansiar, inspirar,
Ter a alma a transbordar.

Para ser uma, tenho de ser várias,
Tenho de ser a lua, em todas as suas fases,
Tenho de ser o sonhador e o soldado,
Tenho de saber encarar e aceitar cada estado.

Lua nova, estou fresca e inspirada,
Quero absorver tudo o que me rodeia,
Deixar-me fascinar com o que encandeia.

Lançar a semente para mais tarde colher
Aprender de todos os ofícios para ter a liberdade de escolher
Saber línguas, de arranjo, de pintura, de terapia,
De Direitos Humanos, História, filosofia,
De ciência e astronomia,
Investir na criação sem depender do resultado

Quarto crescente, aborreço-me com a rotina,
Perco-me no quotidiano,
Vou-me deixando, vou-me perdendo,
Ponho os pés na terra e fico-me pelo mundano.

Perco as forças, a vontade,
Nada me entusiasma, nada me dá alento,
Foco-me no terreno, no objetivo e tangível,
Menosprezo o pensamento.

Involuntariamente, vendo a alma à formatação.

Lua cheia, tudo consigo!

Voltei a mim e já não me quero desligar,
Soube-me viva, embora não tenha sentido por muito tempo,

Quero impregnar-me de luz apenas para a refletir,
Distribuir esperança sem iludir,
Reluzir até brilhar de paixão,
Ser toda alma e coração.

Envolver-me na arte e saber apreciar,
Pôr os pés na terra e mesmo assim pairar,
Quero transbordar o espírito,
Ser voluntária para distribuir alegria e felicidade.

Poder abraçar só com um sorriso,
E com esse sorriso curar,
Poder oferecer o paraíso,
Para quem precisar.


Quarto minguante,

Já sei que o ciclo se vai repetir
Não vou deixar este sentimento escapar, fugir.
Vou manter a minha palavra e espalhar tudo o que consigo.

Vou cumpri com o que prometi
Largar a indolente, a diletante,
Deixar a que se deixa imóvel.

Vou parar com o estímulo da ignorância,
do ócio e da incompetência.
Vou acabar com indolência,
Mas abraçar a inconstância.

A inconstância (apenas) de ser várias
Mas ser várias que me fazem radiante,
Ser muitas, mas necessárias,
Para construir esta constelação cintilante.

A aceitação da diversidade,
O reconhecimento da liberdade,
Poder ser quem quero, mas ao menos expressar,
Ao menos sentir, e até exagerar,
e nunca deixar de me colorir.



Fevereiro 2018

Hoje sinto-me!


…. Hoje sinto-me! …..

Que lugar comum. Que vulgar.

Mas hoje sinto-me. E só assim descobri que até aqui não me sentia. Que náusea de não me sentir, que repúdio de desconexão. Que vida vazia de razão, de reflexão, de pensamento e espaço próprio. Tenho vindo a ser sobrecarregada: de sentimentos alheios, de atitudes simuladas, de pensamentos implantados e opiniões inseridas.

Ás vezes descubro que não tenho sido. Fico mergulhada num rio pacífico, mas agridoce. Atónita, inexpressiva, impassível – lembro-me de quem sou. Um rasgo de consciência traz-me a mim. Traz-me um sentimento meu: não tem nome, só me lembro que o criei e só o sinto de vez em quando. Uma espécie de experiência sobrenatural – o achar que tinha morrido mas saber que afinal estou viva.

Nesta mistura de identidades, neste oceano de personalidades, neste cemitério de corpos sem almas, ganho a consciência que perdi a minha alma. Mas perdi-a há tanto tempo que quase não a sei identificar. Eu sei que me despi de mim, eu sei que desliguei certa parte voluntariamente, eu sei que cedi ao processo de clonagem em vez de colonizar. Mas são raros os momentos que reconheço.

Ai… quando volto a sentir. Chega a ser doloroso permitir-me ser um autómato e de repente autorizar-me a sentir.

Sentir ao som da música, embalar-me na pauta e baralhar os pensamentos com o sentimento que a música me invade.

Dói tanto pensar. Dói tanto esta nostalgia. Magoa-me de tal forma voltar desprevenidamente a este quarto mental, fechada entre quatro paredes, forçada a abrir a caixa das memórias, despeja-las todas e deixa-las voar como borboletas para o meu estomago, impelida a olhar-me ao espelho e a revoltar-me com a promessa falhada e a evolução estagnada. Saber que um dia prometi-me ser melhor e agora apenas revejo-me no espelho.

Tornei-me demasiado automática para pensar sozinha,
Demasiado industrial para fazer uma criação minha.

Demasiado ovelha no rebanho,
Demasiado acrítica e resignada,
Deixei as preocupações e anseios,
Pousei a caneta sem ter escrito nada.

Hoje voltei a mim,
Lembrei-me de quem sou,
Só espero que este dia se prolongue, não tenha fim,
Quero passar o dia à conversa comigo, que me explique o que se passou,
Para me ter deixado ofuscar e encantar com o mundo formatado.

Eu sei que custa pensar, e a dada altura já chega de pôr em causa a nossa pessoa e tudo o que a rodeia. É mais fácil não reflectir, não meditar. É mais fácil pensar que roupa vamos vestir amanhã do que o que estamos aqui a fazer, o que nos reserva o futuro, como podemos mudar o mundo ou ajudar alguém.

Março 2017

Monday, June 27, 2016

a nossa história - parte 2

Mas mais importante és tu e o nosso jogo das cadeiras. O nosso braço de ferro em stand-by porque cada um fazia força para o seu lado.

Já nos conhecemos há muito tempo. No tempo em que ainda nenhum de nós sabia bem o que era (se é que agora já sabemos…) passávamos algum tempo juntos. Não tinha grande tempo para programar o que fazer e o que dizer, era quase obrigatoriamente espontânea, e dedicava o mínimo de tempo a pensar na minha imagem. Contigo fui o mais simples possível (...) . Vias-me conforme eu estivesse, não tinha desculpas nem como me escapulir, viste-me sempre assim como o dia me fazia. Como eu já disse, nunca fui de fantasiar coisas, mas sentia-me bem contigo e achava que tu sentias o mesmo. Riamo-nos muito juntos e lembro-me que adorava ouvir-te falar, ficava fascinada com o teu espírito crítico e com as coisas que sabias, com a tua intensidade quando discutias alguma coisa, e admirava muito isso em ti, até porque eu tinha a intensidade mas faltavam-me os argumentos e o conhecimento dos assuntos. Um dia começaram-me a dizer que eu era a tua princesinha, que se via nos teus olhos que gostavas muito de mim e que devíamos ficar juntos. E depois começaste tu a chamar-me a tua princesa, e a brincar comigo por isso. Comecei a sentir o coração mais quente e não conseguia evitar a maneira como te olhava; sentia os olhos a brilhar mas não tinha a certeza se conseguias ver.

Até que (...) tudo começou a ser diferente, já não via o teu sorriso e sentia falta das coisas que dizias e de como me tratavas. Às vezes falávamos mas não tantas vezes assim, mas quem te conhecia dizia que ainda era a tua princesinha. (...)

Só agora ao escrever a nossa história é que me apercebi que realmente és muito importante para mim e que gosto de ti de uma maneira especial e que nunca deixei de gostar. É claro que, ao longo destes 3 anos, tive muitas e outras histórias pelo meio, e tive momentos em que tu não estavas tão presente em mim – e que pura e simplesmente passavas ao lado, mas o que te distingue dessas outras histórias é que a tua tem um fio condutor e que passa por cima de todos esses obstáculos ocasionais sem se deteriorar. Como eu gostei sempre de imaginar, tínhamos um amor platónico, no qual da tua parte era mais a minha imaginação que outra coisa, era assim que eu tinha noção.

Ao longo deste último ano o nosso contacto já era quase nada, houve realmente a altura da queima em que falámos a semana inteira e nas semanas seguintes também, mas nada de muito concreto ou comprometedor. Falamos como sempre falámos, descontraídos e simultaneamente misteriosos, e pusemos a conversa em dia. No fim do Verão voltámo-nos a ver num festival, um encontro imprevisível que se desenrolou de forma mais imprevisível ainda. Não me lembro como cruzámos as conversas e entrelaçámos as respostas mas o que é certo é que me apercebi que tudo aquilo que eu tinha imaginado um dia, era verdade. Eu era um bocadinho mais do que a tua simples princesa e os olhares eram um bocadinho mais do que desafios. Sempre viste para além daquilo que mostrava e sem eu fazer um único esforço, tu gostaste, algo que eu nunca entendi porque nunca sequer me expus a tanto para tirar conclusões dessas. Vês-me como eu sei que sou exactamente, apesar de ter uma carapaça dura tenho um coração mole e apesar de emanar festa não é isso que me define.

E ficámos à volta de 4 horas numa conversa sem sentido nem rumo, eu chorava sem te entender, tu ficaste aflito e eu ainda mais porque nunca chorei em frente a um rapaz (ainda por cima também por ele mesmo), e lembro-me que fizeste de tudo para que eu me sentisse bem. Seguiste a tua vida e isso está certo (só não sei é quando é que isso aconteceu, nem tu me avisaste) e eu fiquei aqui suspensa (não à tua espera), mas só depois de não haver hipótese entre os dois é que sabemos que poderia ter havido. Foi difícil assimilar isso, ainda por cima estava já numa fase em baixo devido à tal pessoa que me marcou e a outros factores, por isso ainda mais difícil se tornou. Uma noite que podia ter sido tão divertida foi tão dramática. Mas o que é certo é que foi marcante. E por mais confuso que tenha sido, hoje sei que foi bom saber o que soube. A partir daí mantivemos um maior contacto, a conversa fez-nos perceber que apesar de tudo éramos amigos e não queríamos perder isso.

Á cerca de dois meses voltei a encontrar-te. Começámos uma conversa casual, com os mesmos temas de sempre, a mesma intimidade que nos caracteriza, sem tocarmos no ‘nosso’ assunto. Eu sei que tens namorada – e era o que te dizia. Daí surgiu pano para mangas para desenvolvermos a conversa que já tínhamos tido. Afinal não é só assim que me vês, já é de uma forma mais especial à que eu sabia, e sempre fui importante para ti. Esta segunda conversa foi igualmente grande, eu disse-te: tu tens muito jeito para enrolar e continuar a falar mas agora nada adianta, já é assim não podemos fazer nada para mudar, tenho pena que assim seja porque podíamos ter outro destino. Tu concordas e dizes que vais fazer uma coisa que sempre quiseste mas não podias fazer… e dás-me um beijo. Fiquei tão petrificada que não soube o que dizer. Fiz uma cara de espanto e de desorientada e sem me aperceber soltei uma lágrima. Dizes-me logo que não, não foi esse o teu objectivo, mas então o que estamos a fazer?isto não leva a lado nenhum! Incrível como foi sempre um desejo secreto meu, d’antes imaginava que me desses um beijo mas no íntimo soube sempre que era irrealizável – e não o foi, só não foi realizado como idealizado e como deveria ter sido. Dizes-me que não te arrependes, eu também não, mas não mudou nada nem esclareceu nada, já sabia que iríamos encaixar de forma linda e rara, e que meio minuto assim contigo já me sentiria nas nuvens, foi um momento que me faz querer mais e que serviu para acrescentar à nossa história. Depois dessa noite passaste a falar-me quase todas as semanas, acho que querias ter a certeza que eu não me esquecia que gostavas muito de mim e que querias saber de mim, mas que não poderia ser de outra forma senão aquela.

E agora quando te encontrei outra vez, sinto que temos uma ligação tão forte! A maneira como me falas e como me tocas, sempre carinhoso e preocupado, sobretudo protector. Sei que me tens um carinho especial e adoro quando o mostras, adoro estar contigo e falar contigo, adoro quando me contas os teus planos de vida e os teus sonhos, já sabes que te apoio, e tudo porque te acho verdadeiramente capaz de fazeres o que quiseres com a tua vida, porque te vejo como uma pessoa que luta por aquilo que quer e que além de tudo se interessa por coisas importantes. És uma pessoa que me inspira e só de estar contigo já fico bem disposta, és tão especial e ao mesmo tempo tão simples, tão mundano. Deixo para segundo plano o facto de ter aquele especial interesse em ti porque gosto quando me rodeias, e não quero deixar de estar contigo por nada. Sei que não te amo mas o que sinto por ti é a coisa mais pura que já senti por alguém, porque criei uma ligação fortíssima e tive um único e simples contacto físico contigo (ainda por cima no final de tudo isto, o que contraria o que sempre me aconteceu, pois o físico era precisamente a base das relações que tinha antes) e porque quando penso em ti penso sempre em como me fazes sentir.

Contigo apercebo-me o que pode ser o amor, e acredito que se fosse a nossa altura, de estarmos juntos, eu iria finalmente saber o que ele é. Mas por agora deixo de lado esta nossa parte amorosa e concentro-me na nossa amizade. Delicio-me com a possibilidade de deixar esta história em aberto, e, quem sabe, mais tarde completá-la.



Tudo na natureza me convida a ser folha perene, para sempre ingénita, para sempre feliz.

Tuesday, October 21, 2014

a nossa história - parte 1

É fora do comum como é que passado tanto tempo do que se passou entre nós eu ainda não escrevi nada. Eu acho que é porque não sei o que pensar sequer; se já pensei e não tirei nenhuma conclusão ou se ainda nem pensei porque acho melhor assim.

A verdade é que sempre fomos o jogo das cadeiras. A música tocava e estávamos nós a volta do óbvio, quando a música parava tentávamo-nos sentar, sempre separados, em locais diferentes. Não sabia ao certo se a música era a mesma para os dois ou até se parava ao mesmo segundo, mas gostava de imaginar que sim.

As raparigas têm muitas fantasias e imaginam sempre significados ocultos naquilo que mais simples e objectivo não poderia ser. Eu por acaso sempre fui das que menos sonhava com grandes paixões, nunca via muita utilidade para isso nem queria perder tempo de diversão para me dedicar a problemas amorosos. Por isso sempre tive uma tendência para ser mais objectiva no que toca a flirts, mais directa também, o que me fazia perder menos tempo, e ao mesmo tempo ser menos afectiva.

Ainda não percebi porque é que sempre que tive ‘relações’ não me entreguei de coração, pois nunca tive problemas no que toca ao elemento físico que cria a faísca nas paixões, mas chegava ao momento de eu realmente sentir alguma coisa e sentia umas saudades que doíam (não vou mentir), sentia-me triste e sozinha e principalmente carente. Mas vim aprendendo ao longo do tempo que isso de nada representa o amor, eram situações que se resolviam com um novo interesse ou troca de mensagens, um novo conhecimento ou um caso fugaz, enquanto que um amor dura a curar. Nunca me cheguei a afeiçoar a ninguém verdadeiramente; nunca deixei de ser carinhosa porque naturalmente o sou, mas não por razões de genuíno interesse noutra pessoa, apenas por me sentir bem na companhia dela. Sempre compreendi o amor e sempre gostei de o utilizar para embelezar os meus escritos mas o que sabia dele era em abstracto e nunca o senti na pele, palpitando nas minhas veias. Posso imaginar como se sente quem é vítima dele mas na realidade não o conheço. Conheço o amor, na minha experiência pessoal, na sua vertente de amizade, e aí conheci um verdadeiro sofrimento e interesse pelas pessoas, um medo de as perder, um instinto protector e por vezes até maternal, e conheci a entrega de mim mesma, sem medo de ser quem sou com todas as componentes subliminares e subjectivas que me constroem. Mas em relação a um rapaz com quem me partilhava, a partilha terminava no campo visual: aquilo que sou, aquilo que me compõe, o que transmito ser e o que aparento. Nunca fiz questão de contar os meus sonhos e os meus projectos íntimos, os meus textos e os meus pensamentos mais pessoais, o meu lado que se esconde por detrás daquele meu que mais alicia e mais sobressai, o meu lado estúpido e brincalhão, o meu lado divertido.

E com o passar do tempo esse abismo entre os meus dois lados tendeu a crescer, com quem tinha alguma coisa (mesmo não sendo substancial), ficava-me a conhecer tal e qual como eu me apresento e, dessa forma, objectiva, talvez provocadora, despreocupada, divertida e não propriamente sentimental.

(to be continued...)

Thursday, November 03, 2011

Estou demasiado presa à terra. Demasiado séria, demasiado quotidiana, demasiado triste. Nada me espanta a alma e nada me faz querer bater a porta de casa em busca de algo que não seja tão mundano, não seja tão eu. Nada me faz querer quebrar o feitiço que a televisão me lançou e nada me grita para que sossegue o meu inconsciente de que a cada dia que passa dou um passo para incapacitar cada vez mais uma miúda de 19 anos e o seu talento para viver.
Não sei quem sou mas tirei-lhe as folhas e as canetas a quem ela se confessava e com quem ela confiava dia sim dia não, tirei-lhe o alento de viver e a fome de dominar o mundo, a natureza e as pessoas.

Na maior parte das vezes esqueço-me que alimento outro corpo e enveneno outra alma, sei que cá não pertenço mas não vislumbro a saída ou a alternativa.
Mas às vezes, acordo-a, ela estremunhada,
esteve adormecida, anestesiada,
consciência dormente,
coração já não quente,
fragmentada em pedaços,
já perdida, não sabe regressar aos seus passos,
não tem noção do tempo nem do espaço.
Sabe-se desaproveitada,
e vê-se espelhada
num verdadeiro fracasso,
um erro crasso,
o sapato da cinderela,
a arte sem uma tela,
a cura de uma doença,
um criminoso sem sentença,
algo precioso mas sem reconhecimento,
um furacão sem vento,
um desperdiçado talento,
um diamante em bruto,
um inteligente mas inculto.
Meio talento, meio nada,
meio pó, meio pó-de-fada,
meia lágrima na almofada,
que sabe que algo se perdeu mas não sabe o quê.
Perdi metade de mim,
já só restam as folhas do jardim,
e secas, sem encanto assim.
Pretendo ter volta a dar mas a volta é dada a mim,
e o pior é que é dada por mim mesma,
e depois de escrita uma resma,
prometo que tentei de tudo para regressar a mim,
à sonhadora sem fim,
à criadora do que quiser,
à criança virada mulher.

Volto à irresponsável, mas sobretudo V I V A , eu.

Carta a Fernando

Fernando, se cá estivesses não sei se falava contigo até me falharem as palavras ou se ficava no silêncio a trocar ideias mudas. Sei que és a pessoa mais igual a mim do que qualquer outro humano. O que pensas é o que sinto e o que escreves é a minha dor. Sou fragmentada como tu e quando me olho ao espelho é um fascinante teatro.


Dependo do dia e das horas,
do mundo mas não das modas,
do sol e do vento :
do clima e do tempo.

Refaço-me espontaneamente,
já sou outra quando dou por ela!
acontece-me constantemente,
estou livre e numa cela.
É bom ser muitas pessoas,
ao mesmo tempo não sei quem sou,
tenho memórias más e boas,
estou perdida e simultaneamente não estou.

Quero conhecer as minhas verdadeiras cores,
mas quando as sei já não as tenho,
tenho prazeres e dissabores,
o meu mundo é muito estranho.

Gostava que me explicasses como te resignaste assim,
porque me acontece o mesmo a mim,
e eu não sei lidar comigo,
nem me traçar um auto-retrato...

A verdade é que também não lidaste bem,
e ficaste maluco também,
mas sabes?, não te censuro,
porque foi apenas um muro,
uma parede que construíste,
para te isolares, porque ninguém te entende,
diz-me o meu coração (e ele não mente).

Mas pensando bem, tu criaste vidas para cada pedaço da tua alma,
e assim tornou-se impossível junta-los pois estavam tal apartados uns dos outros.
Foi a tua sentença e ruína.

Não quero o mesmo fim que tu, queria tentar unir os meus fragmentos e remendá-los só, de forma a não ser uma pessoa colectiva mas nem tanto singular, sem ambígua e irregular mas pelo menos conhecer-me.

Auto-biografia

Doi-me a consciência de saber que não sou o que faço, nem tão pouco faço aquilo que sou. Arde-me a testa e murmuro em voz baixa que nem sei que parte de mim estarei a ser. Fragmento-me pois quero ir a fundo numa ideia, e quando penso já tenho outra luta a travar. Sou diletante porque penso, e como penso quero tudo, e como tudo eu quero, sou consumista. Revolto-me contra mim mesma e quero rasgar a pele que me cobre. Quero ser cobra que despe a cobertura quando já não se coaduna com o interior, mas o que a envolve é sempre uno, único, coerente e consistente do início ao fim.
Não consigo ser eu mesma a todo o momento. Perco-me em pensamentos e junto e guardo todos, e assim nunca a coesão me representa. Não quero pensar porque fico só, mas estou sózinha porque ninguém me entende, nem eu mesma.

***

Não sei quando irei encontrar calmaria nestas àguas furtadas, nem repouso neste vaivém. Anseio pelo sossego e estabilidade mas não sei até que ponto os desejo mesmo. Toda eu sou agitação e vida e é-me dificil ancorar à terra. Não sei até quando posso viver por isso vivo sem horizonte só para disfrutar ao máximo. O meu problema é que quero tudo à minha disposição, mas nada para utilizar.

Deixo-me pelas palavras e vou,
dedico-me ás acções e fico,
grita o meu insconsciente, aflito,
quem sou eu?, se nem sei quem sou.

Não sei o que faço e o que penso não sei,
mergulho em pensamentos, mas quem eu serei?,
entristeço-me comigo porque o que penso não faço,
e o que faço nem medito um pedaço.

Não amo nada mas sei que quero tudo amar,
só adormecida sou eu mesma por isso não quero acordar.

Não quero ser conservadora nem demasiado liberal,
nem demasiado diferente nem igual,
quero ser dois extremos e nunca um centro,
nem distante do mundo mas também não tão dentro.

Sou eu própria antagónica e não me compreendo,
eu esforço-me por isso e tento,
mas os meus eu's trocam-se ao sabor do vento,
e eu não vou acompanhando nem vendo.

Quero mudar o mundo, mas não tenho forças para me mudar a mim...

Friday, June 17, 2011

Balanço espiritual

Não vives, porque tentas mais recortar os sentimentos e torná-los perfeitos do que desfrutar o momento. Não procures a perfeição mas alicia-te com o precipício das sensações e lança-te à vida sem ideias pré concebidas.

Interessa-te por pessoas e não te agarres à tua beleza nem ao teu umbigo, faz por agradar os outros e torna o teu dia lindo pela simples apreciação de sorrisos. Sorri e faz sorrir, descobre outros mundos e até mesmo o teu, desfaz-te do corpo e eleva o espírito e a mente. É tão triste ser-se tão objectivo e centrar todas as atenções em tudo o que envolve a aparência, devemos todos ser subjectivos e entender o que vemos como uma simples presença física que nos faz companhia em viagens espirituais e diálogos diversificados.

Interessa-te por algo que tenha uma meta ou pelo menos um caminho traçado, pois tudo o que agrada à visão é momentâneo e só algo que envolva movimentos mentais é que causa uma verdadeira dependência e encanto.

***

Às vezes sinto vontade de ser um mero conjunto de partículas, um qualquer aglomerado sem traços físicos que me sublinhem e me contornem. Assim tudo o que em mim transparecia é tudo o que eu sou por dentro e todas as pessoas diferentes de mim mas que em mim coabitam, e que me compõem. Poder ser um sorriso sem ter que mexer os lábios ou brilhar a todo o momento com o meu simples recheio. Devíamos ser todos indistintos e marcar a diferença pelas paixões e interesses que temos e nunca pelo rótulo que nos dão.

O meu corpo é a prisão da mente, as amarras que não a deixam ser livre, e o travão de toda a minha fogosidade, intensidade e interioridade.

Friday, October 08, 2010

Tinha mais um lugar na cama. E não era um lugar a mais, porque o reservei para ti. Mesmo quando não vinhas conseguias-me aquecer, porque eu sabia que estavas por perto e que o lugar era teu. Hoje não passa de um espaço livre na minha cama : uma almofada a mais e mais uma zona fria onde não entram os meus pés. Não sei porquê mas deixaste de vir. A almofada voltou a estar imaculada e os lençóis já não amarrotam tanto. Por mais que olhe para o lado jamais pensarei que estás a meu caminho para me enroscares a ti e me embalares e sussurrares enquanto adormeço. O meu coração está tal e qual a minha cama : a meio; e a cada lágrima que foge sinto mais um troço dele a cair. Não aguento esta solidão mas não voltas, tento sonhar-te mas fica ainda mais doloroso, tento esquecer-te mas não posso porque sei que me queres, tento amar-te e é só o que consigo mesmo estando a arrancar pedaços do meu coração.

Sunday, June 13, 2010

Meaning of life

Quero expôr o meu mundo interior e fazer dele uma aldeia, uma vila. Quero projectá-lo nesta tela enorme e redonda que é o planeta e habitá-la de todos os tipos de seres.
Que me importa o formato ou a cor das criaturas?
Quero impregná-las de sensações fantásticas e de pensamentos distintos, quero emocionar-me com as interacções entre elas e vê-las qual teatro à minha frente, e com tal vivacidade que esse mundo que saiu volte a invadir-me o espírito e a baloiçar tudo cá dentro!
Mais que tudo, quero realmente que esse mundo seja o futuro. E não me importo que não seja o meu futuro, se for o de alguém!
Quero que o futuro possua vidas cheias, e não apenas simulações mecânicas e pré-fabricadas. Quero sentimentos em forma de flores e até notas musicais a rodopiarem à minha volta, corações a apertarem-me e a encherem-me de calor e frio, dúvidas e certezas!
Quero sonhos, e que os sonhos sejam as vidas, e que os sonhos e ambições não sejam palpáveis!

(...)
Delicio-me com a forma como prestas culto ao meu corpo e como o mimas com leveza dentro dessa excitação e loucura que sentes quando o vislumbras. É de porcelana e por isso não o deixas cair, é de barro por isso usas as mãos para o moldar ao teu gosto e gesto.
Sublinhas os meus contornos e desenhas a minha silhueta com os teus palmos. E vão preenchendo e colorindo a minha figura à medida que se afastam dos limites para o centro, como se toda eu fosse uma criação tua, ou pelo menos fosse feita para encaixar nos teus membros superiores.

Devaneios

Ao longe ouço o correr da àgua da cascata. Prendo os meus ouvidos e ensino-os a morder as sensações. Não quero perder este som nem vai cair no esquecimento. Agora é meu e moldo-o como quero.
Ao longe e mal, mas vejo o escorregar relutante da àgua da cascata. O rumo já traçado puxa-a e obriga-a. Toda a imagem me tranquiliza e quero vive-la até não-mais. Estas carícias que a minha mãe natureza me dá fazem-me sentir no topo da cascata.
Num alucinar, caio de chapa ao rio que me toma como dele, corro pela floresta que me é a melhor cidade de todas.