Tuesday, February 11, 2020

Hoje sinto-me!


…. Hoje sinto-me! …..

Que lugar comum. Que vulgar.

Mas hoje sinto-me. E só assim descobri que até aqui não me sentia. Que náusea de não me sentir, que repúdio de desconexão. Que vida vazia de razão, de reflexão, de pensamento e espaço próprio. Tenho vindo a ser sobrecarregada: de sentimentos alheios, de atitudes simuladas, de pensamentos implantados e opiniões inseridas.

Ás vezes descubro que não tenho sido. Fico mergulhada num rio pacífico, mas agridoce. Atónita, inexpressiva, impassível – lembro-me de quem sou. Um rasgo de consciência traz-me a mim. Traz-me um sentimento meu: não tem nome, só me lembro que o criei e só o sinto de vez em quando. Uma espécie de experiência sobrenatural – o achar que tinha morrido mas saber que afinal estou viva.

Nesta mistura de identidades, neste oceano de personalidades, neste cemitério de corpos sem almas, ganho a consciência que perdi a minha alma. Mas perdi-a há tanto tempo que quase não a sei identificar. Eu sei que me despi de mim, eu sei que desliguei certa parte voluntariamente, eu sei que cedi ao processo de clonagem em vez de colonizar. Mas são raros os momentos que reconheço.

Ai… quando volto a sentir. Chega a ser doloroso permitir-me ser um autómato e de repente autorizar-me a sentir.

Sentir ao som da música, embalar-me na pauta e baralhar os pensamentos com o sentimento que a música me invade.

Dói tanto pensar. Dói tanto esta nostalgia. Magoa-me de tal forma voltar desprevenidamente a este quarto mental, fechada entre quatro paredes, forçada a abrir a caixa das memórias, despeja-las todas e deixa-las voar como borboletas para o meu estomago, impelida a olhar-me ao espelho e a revoltar-me com a promessa falhada e a evolução estagnada. Saber que um dia prometi-me ser melhor e agora apenas revejo-me no espelho.

Tornei-me demasiado automática para pensar sozinha,
Demasiado industrial para fazer uma criação minha.

Demasiado ovelha no rebanho,
Demasiado acrítica e resignada,
Deixei as preocupações e anseios,
Pousei a caneta sem ter escrito nada.

Hoje voltei a mim,
Lembrei-me de quem sou,
Só espero que este dia se prolongue, não tenha fim,
Quero passar o dia à conversa comigo, que me explique o que se passou,
Para me ter deixado ofuscar e encantar com o mundo formatado.

Eu sei que custa pensar, e a dada altura já chega de pôr em causa a nossa pessoa e tudo o que a rodeia. É mais fácil não reflectir, não meditar. É mais fácil pensar que roupa vamos vestir amanhã do que o que estamos aqui a fazer, o que nos reserva o futuro, como podemos mudar o mundo ou ajudar alguém.

Março 2017

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