…. Hoje sinto-me! …..
Que lugar comum. Que
vulgar.
Mas hoje sinto-me. E
só assim descobri que até aqui não me sentia. Que náusea de não me sentir, que
repúdio de desconexão. Que vida vazia de razão, de reflexão, de pensamento e
espaço próprio. Tenho vindo a ser sobrecarregada: de sentimentos alheios, de
atitudes simuladas, de pensamentos implantados e opiniões inseridas.
Ás vezes descubro que
não tenho sido. Fico mergulhada num rio pacífico, mas agridoce. Atónita,
inexpressiva, impassível – lembro-me de quem sou. Um rasgo de consciência
traz-me a mim. Traz-me um sentimento meu: não tem nome, só me lembro que o
criei e só o sinto de vez em quando. Uma espécie de experiência sobrenatural –
o achar que tinha morrido mas saber que afinal estou viva.
Nesta mistura de
identidades, neste oceano de personalidades, neste cemitério de corpos sem
almas, ganho a consciência que perdi a minha alma. Mas perdi-a há tanto tempo
que quase não a sei identificar. Eu sei que me despi de mim, eu sei que
desliguei certa parte voluntariamente, eu sei que cedi ao processo de clonagem
em vez de colonizar. Mas são raros os momentos que reconheço.
Ai… quando volto a
sentir. Chega a ser doloroso permitir-me ser um autómato e de repente
autorizar-me a sentir.
Sentir ao som da música,
embalar-me na pauta e baralhar os pensamentos com o sentimento que a música me
invade.
Dói tanto pensar. Dói
tanto esta nostalgia. Magoa-me de tal forma voltar desprevenidamente a este
quarto mental, fechada entre quatro paredes, forçada a abrir a caixa das
memórias, despeja-las todas e deixa-las voar como borboletas para o meu
estomago, impelida a olhar-me ao espelho e a revoltar-me com a promessa falhada
e a evolução estagnada. Saber que um dia prometi-me ser melhor e agora apenas
revejo-me no espelho.
Tornei-me demasiado
automática para pensar sozinha,
Demasiado industrial
para fazer uma criação minha.
Demasiado ovelha no
rebanho,
Demasiado acrítica e
resignada,
Deixei as preocupações
e anseios,
Pousei a caneta sem
ter escrito nada.
Hoje voltei a mim,
Lembrei-me de quem
sou,
Só espero que este dia
se prolongue, não tenha fim,
Quero passar o dia à
conversa comigo, que me explique o que se passou,
Para me ter deixado
ofuscar e encantar com o mundo formatado.
Eu sei que custa
pensar, e a dada altura já chega de pôr em causa a nossa pessoa e tudo o que a
rodeia. É mais fácil não reflectir, não meditar. É mais fácil pensar que roupa
vamos vestir amanhã do que o que estamos aqui a fazer, o que nos reserva o futuro,
como podemos mudar o mundo ou ajudar alguém.
Março 2017
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