Tuesday, February 11, 2020

Subi ao cume da montanha e conheci-me


Subi ao cume da montanha e conheci-me, finalmente.
Finalmente gostei do que vi, e nem que tentasse era capaz de capturar tantos pequenos espíritos que de lá de cima gritaram serem felizes.
Tantas pequenas vozes que iam saindo de mim através das lágrimas.
Quanto ecoou este grito de liberdade.

Só sei que sou única quando me sinto várias.
Só me sinto una e completa quando canto mais de uma canção e vivo em mais do que um estado de espírito.
Chego a conclusão que nunca sou eu quando me impeço de divagar.

(...)

Tenho de ser múltiplas,
Impedir-me de controlar esse facto,
Aceitar que só assim atinjo a minha plenitude,
Talvez até passar a encara-lo como uma virtude.

Receber-me de braços abertos,
Surpreender-me com estados incertos,
Amar a inconstância, a incoerência,
Para verdadeiramente conhecer a inteligência.

Já resisti a esta entrega,
Já fui infeliz por me negar,
Quis esconder-me de mim própria até ficar cega,
Achei que seria melhor não pensar.

Por isso fugia do refúgio,
Fugia da terapia da caneta,
Na ilusão de me encaixar,
Na inconsciência de não me querer analisar.

Hoje aprecio a diversidade e o caos interior,
Sei reconhecer a profundeza de albergar várias personalidades,
Aprendi a dar o devido valor,
A saborear os sentimentos em metades.

Um pouco de razão com um twist de loucura, de pintura.

Vamos assobiar, ouvir música
Dançar e cheirar as flores e o campo
Saborear a poesia e embriagarmo-nos nas palavras,
Sonhar acordados e sorrir por nada,

Vamos rebolar na relva
Dar as mãos no passeio
Ouvir histórias de quem não conhecemos
Ler o que nos aqueça a alma

Agito e abano-me,
Se estou viva, tenho de estar desperta,
Tenho de ansiar, inspirar,
Ter a alma a transbordar.

Para ser uma, tenho de ser várias,
Tenho de ser a lua, em todas as suas fases,
Tenho de ser o sonhador e o soldado,
Tenho de saber encarar e aceitar cada estado.

Lua nova, estou fresca e inspirada,
Quero absorver tudo o que me rodeia,
Deixar-me fascinar com o que encandeia.

Lançar a semente para mais tarde colher
Aprender de todos os ofícios para ter a liberdade de escolher
Saber línguas, de arranjo, de pintura, de terapia,
De Direitos Humanos, História, filosofia,
De ciência e astronomia,
Investir na criação sem depender do resultado

Quarto crescente, aborreço-me com a rotina,
Perco-me no quotidiano,
Vou-me deixando, vou-me perdendo,
Ponho os pés na terra e fico-me pelo mundano.

Perco as forças, a vontade,
Nada me entusiasma, nada me dá alento,
Foco-me no terreno, no objetivo e tangível,
Menosprezo o pensamento.

Involuntariamente, vendo a alma à formatação.

Lua cheia, tudo consigo!

Voltei a mim e já não me quero desligar,
Soube-me viva, embora não tenha sentido por muito tempo,

Quero impregnar-me de luz apenas para a refletir,
Distribuir esperança sem iludir,
Reluzir até brilhar de paixão,
Ser toda alma e coração.

Envolver-me na arte e saber apreciar,
Pôr os pés na terra e mesmo assim pairar,
Quero transbordar o espírito,
Ser voluntária para distribuir alegria e felicidade.

Poder abraçar só com um sorriso,
E com esse sorriso curar,
Poder oferecer o paraíso,
Para quem precisar.


Quarto minguante,

Já sei que o ciclo se vai repetir
Não vou deixar este sentimento escapar, fugir.
Vou manter a minha palavra e espalhar tudo o que consigo.

Vou cumpri com o que prometi
Largar a indolente, a diletante,
Deixar a que se deixa imóvel.

Vou parar com o estímulo da ignorância,
do ócio e da incompetência.
Vou acabar com indolência,
Mas abraçar a inconstância.

A inconstância (apenas) de ser várias
Mas ser várias que me fazem radiante,
Ser muitas, mas necessárias,
Para construir esta constelação cintilante.

A aceitação da diversidade,
O reconhecimento da liberdade,
Poder ser quem quero, mas ao menos expressar,
Ao menos sentir, e até exagerar,
e nunca deixar de me colorir.



Fevereiro 2018

Hoje sinto-me!


…. Hoje sinto-me! …..

Que lugar comum. Que vulgar.

Mas hoje sinto-me. E só assim descobri que até aqui não me sentia. Que náusea de não me sentir, que repúdio de desconexão. Que vida vazia de razão, de reflexão, de pensamento e espaço próprio. Tenho vindo a ser sobrecarregada: de sentimentos alheios, de atitudes simuladas, de pensamentos implantados e opiniões inseridas.

Ás vezes descubro que não tenho sido. Fico mergulhada num rio pacífico, mas agridoce. Atónita, inexpressiva, impassível – lembro-me de quem sou. Um rasgo de consciência traz-me a mim. Traz-me um sentimento meu: não tem nome, só me lembro que o criei e só o sinto de vez em quando. Uma espécie de experiência sobrenatural – o achar que tinha morrido mas saber que afinal estou viva.

Nesta mistura de identidades, neste oceano de personalidades, neste cemitério de corpos sem almas, ganho a consciência que perdi a minha alma. Mas perdi-a há tanto tempo que quase não a sei identificar. Eu sei que me despi de mim, eu sei que desliguei certa parte voluntariamente, eu sei que cedi ao processo de clonagem em vez de colonizar. Mas são raros os momentos que reconheço.

Ai… quando volto a sentir. Chega a ser doloroso permitir-me ser um autómato e de repente autorizar-me a sentir.

Sentir ao som da música, embalar-me na pauta e baralhar os pensamentos com o sentimento que a música me invade.

Dói tanto pensar. Dói tanto esta nostalgia. Magoa-me de tal forma voltar desprevenidamente a este quarto mental, fechada entre quatro paredes, forçada a abrir a caixa das memórias, despeja-las todas e deixa-las voar como borboletas para o meu estomago, impelida a olhar-me ao espelho e a revoltar-me com a promessa falhada e a evolução estagnada. Saber que um dia prometi-me ser melhor e agora apenas revejo-me no espelho.

Tornei-me demasiado automática para pensar sozinha,
Demasiado industrial para fazer uma criação minha.

Demasiado ovelha no rebanho,
Demasiado acrítica e resignada,
Deixei as preocupações e anseios,
Pousei a caneta sem ter escrito nada.

Hoje voltei a mim,
Lembrei-me de quem sou,
Só espero que este dia se prolongue, não tenha fim,
Quero passar o dia à conversa comigo, que me explique o que se passou,
Para me ter deixado ofuscar e encantar com o mundo formatado.

Eu sei que custa pensar, e a dada altura já chega de pôr em causa a nossa pessoa e tudo o que a rodeia. É mais fácil não reflectir, não meditar. É mais fácil pensar que roupa vamos vestir amanhã do que o que estamos aqui a fazer, o que nos reserva o futuro, como podemos mudar o mundo ou ajudar alguém.

Março 2017